Olá

Decidi escrever o Blog por achar, como todos que escrevem, que alguém se interessará em ler o que escrevo.

Espero que algo aqui lhe seja últi.

A vida é para ser vivida e o que pudermos aprender para melhorar nossa vivência, melhor.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Folhas ou raízes ?

Em minha cidade, Rio de Janeiro, o serviço de metrô possui um vagão especial para mulheres. Em horários específicos, nestes vagões, somente é admitida a entrada de mulheres. Os homens se apertam nos outros vagões. Tal separação foi criada por uma lei que regulamenta o horário de lotação. É assim no metrô e nos trens da cidade. Chamo tal vagão de vagão da oficialização da sociedade de sua falha estrutural. O nome é grande, mas eu explico.


A causa da existência desta lei é clara: Em momentos de pico de uso dos trens ou metrô (e nos ônibus também) uma série de homens se aproveitam da obrigatoriedade de estar perto, colados mesmo, de mulheres, devido à superlotação, para as bolinarem. Concordo: É um incômodo. Não sofro tal ataque à minha privacidade, mas consigo, apenas por ver isso ocorrendo, me solidarizar com as mulheres na luta para que tal não aconteça.

A falha estrutural reside no fato de que estes homens estão se aproveitando de uma situação de lotação limite para dar vazão às suas necessidades sexuais, sem se preocupar com o consentimento da outra parte e tal postura demarca uma falha de educação. No caso, principalmente educação sexual. E note que impedir o ataque, pela restrição do acesso aos corpos das mulheres, não muda sua vontade de realizar seus mais profundos desejos de prazer. O desejo continua.

Certa vez conversando com pais sobre a educação de seus filhos lhes expliquei um pouco sobre o ato de retirar do alcance versus o de educar de fato. Para que seu filho não pegasse biscoitos fora do horário combinado, os pais estavam colocando o pote com os biscoitos em local alto, de forma que a criança não conseguia pega-los ali. No meu entender, isso resolve o problema, mas não implica em respeito do filho pelos pais. Será que eu posso dizer que este filho respeita a ordem dada pelos pais de não comer fora de hora, ou ele apenas não desobedece porque não tem como fazê-lo ?

Digo que educar um filho a não cometer um erro não é retirar-lhe o acesso à fonte do problema, mas estando ao alcance, vê-lo, por livre escolha, optando por obedecer seus pais. Se você quer saber se seu filho lhe obedece de fato, não use de outros artifícios para limitá-lo além da conversa franca.

Como trabalho com computadores, frequentemente pais me procuram para saber como limitar o que os filhos fazem no micro e também o tempo que eles estão conectados na internet. Sempre lhes digo que há excelentes programas que podem cuidar destas questões. Programas que limitam o tempo de uso, os lugares que as crianças podem ir e o que podem fazer. Que dão um relatório detalhado permitindo aos pais um super controle do que acontece. Mas sempre termino minha fala dizendo que sempre haverá outro computador, o do amigo – longe dos pais – no qual ele conseguirá fazer o que no seu micro não pode. Que a confiança e o diálogo são os melhores e mais eficazes meios de controle e educação. Que cercas – sejam virtuais ou reais – são sempre passíveis de rompimentos.

E nossa sociedade, com os trens do metrô, faz o mesmo. Limita o acesso ao erro, sem tratar nada além desta atitude óbvia de repressão. A sexualidade deturpada é um problema social. A educação sexual atual, numa mistura de erótico à disposição – nas bancas de jornal, na televisão e internet – contrastando com proibido e pouco comentado diálogo sobre o tema tem produzido multidões de mal formados e informados. Retirar os homens do vagão não resolve o problema, apenas adia. Em algum outro lugar e noutra situação a deturpação irá se manifestar.

Melhor seria discutir porque temos produzido esta deturpação de homens buscando prazer sexual egoisticamente. Será mesmo que é algo natural do homem e que as mulheres tem mesmo é que agüentar isso ? Não acredito assim.

Somos fruto de nossa sociedade e dos padrões a nós impostos. Neste assunto em particular, o sexo, somos fruto de um longo processo de educação sexual repressiva, vindo de longas datas, influenciado principalmente pela igreja que, ao invés de discutir o tema abertamente, preferia colocar-lhe sobre tabus e mitos diversos. Herdamos esta sociedade e convivemos nela. Mas pergunto: Será que não está claro que algo precisa ser mudado ? Alguém tem acompanhado o número alarmante de estupros ? De agressões ? Não será a simples existência da lei Maria da Penha outro sinal de que algo está muito errado ?

Porém as leis estão aí, soltas, sem o acompanhamento de outras posturas para provar o que ora digo. Ao invés de discutir a origem do problema e buscar uma solução estrutural, convivemos com tesouras que tentam erradicar o problema pelas folhas, não pelas raízes com machados e foices. Sei que há momentos em que o urgente se impõe, e precisamos fazer leis que limitem tais desatinos, mas muitas vezes paramos por aí. Tratamos a consequência e não a causa.

O vagão do metrô é mais uma de outras tantas opções mal direcionadas desta sociedade. Se você puder, eduque alguém a ser boa pessoa independente de barreiras.

Feliz aquele que pode tudo e escolhe o melhor. Infeliz daquele que vive esperando a brecha na cerca para fazer o errado.