Olá

Decidi escrever o Blog por achar, como todos que escrevem, que alguém se interessará em ler o que escrevo.

Espero que algo aqui lhe seja últi.

A vida é para ser vivida e o que pudermos aprender para melhorar nossa vivência, melhor.

domingo, 29 de maio de 2011

Na arquibancada ou no campo

Cheguei a pouco de mais um dia de trabalho. Em meu trabalho com computadores, sou eu que tenho que ir visitar os meus clientes.Vou a muitas casas e conheço muitas pessoas. Diversos tipos de casas e pessoas. São realidades as mais diversas. E uma coisa em particular que gostaria de compartilhar me chamou a atenção nesta semana.


Eu estava com um cliente, consertando seu computador e fiquei sabendo que ele estava noivo. Perguntei-lhe então sobre a expectativa do casamento. O casamento, disse-me ele, seria em breve, e tudo estava sendo organizado pela noiva. O casamento será em outra cidade, onde ela mora, e assim ela está no comando das coisas por lá. Ele, aqui, não tem outra coisa a fazer a não ser esperar o chamado grande dia quando vai entrar de galã na igreja e tomá-la como esposa..

Eles já se conhecem há muito tempo. Namoraram um tempo e depois se afastaram. Cada um tomou rumo próprio, tiveram seus próprios relacionamentos. Recentemente, se reencontraram, conversaram, retomaram o relacionamento e decidiram que se casariam. Veja que a experiência deles já contém um distanciamento, um rompimento da relação. E agora querem se casar.

Costumo sempre afirmar que lamento qualquer casamento que termine. Não importam os motivos. Não me importa se são pessoas de quem eu goste ou não. Não me importa se a causa do fim do casamento foi nitidamente tal ou tal falha de um ou outro, que insistia em fazer o que não era bom. Se o casamento terminou por falta de habilidade, por traição, por má fé ou de forma inesperada. Não importa. Todo casamento que termina – de fato, toda a relação – é um motivo de tristeza. O ponto é que ninguém sobe no altar, pensando que vai se separar. Pode até ser que já tenha pensado : “Se eu me separar....”, ou ainda “Se não der certo, me separo”, ou algo parecido. Mas casar significa, necessariamente, pensar em viver o resto da vida junto ao outro. Separação significa que um alvo – e dons bons – não foi alcançado.

Aquele cliente está decidido agora a se casar com sua noiva. E acredito que serão um ótimo casal pelo que conheço dos dois.

Mas há um casal amigo nosso – meu e do cliente – que está se separando. E ele sabe disso. Depois de um relacionamento de alguns anos - não sei dizer quantos - alguns filhos, muito trabalho juntos, os dois estão se separando. Não sei ao certo dos detalhes, parece que ainda moram juntos. Como fazem no dia-a-dia, eu não sei. Não sei se alguém está dormindo no quarto das crianças ou no sofá da sala ou ainda como dividem as despesas. Mas soube que publicamente já não se consideram um casal e declaram-se como solteiros.

Como disse, meu cliente vai se casar. E, agora, digo, meu cliente vai se casar assim mesmo. Bem perto de nós, tanto geográfica como temporalmente, há um casal que passa a mensagem do casamento que não deu certo. Não funcionou. Tentaram, mas não deu certo.

E então eu pergunto, fazendo uma analogia: Você pegaria um avião logo após um ter caído? Tentaria chegar a uma cidade com seu carro, quando nas estradas os caminhoneiros dizem que não conseguem chegar lá por causa da chuva que fez de tudo um grande lamaçal? Colocaria seu filho na escola que não conseguiu colocar o filho de sua amiga na faculdade? Ele estudou lá, e não passou no vestibular... Você colocaria seu filho nesse mesmo colégio? Será?

Eu responderia sim a todas as perguntas acima. Não há garantias de que o aconteceu com o outro tenha que acontecer comigo. Pode acontecer, mas não tem que acontecer. Eu acredito que o próximo avião deva ter uma manutenção melhor que o anterior, e, quem sabe, um piloto mais bem treinado. Acredito que meu carro, pelo tamanho e manutenção adequada que fiz, possa passar melhor pelo atoleiro, e eu possa chegar à cidade. Acredito que meu filho tem uma boa base escolar e poderá passar no vestibular, mesmo estudando num colégio que não conseguiu passar o filho de minha amiga. Em todos esses casos, o que está em jogo são novas e diferentes variáveis que me fazem pensar que meu caso não precisa ser igual ao anterior. Meu caso tem características próprias e (assim quero acreditar) resultará em algo melhor. Eu lamento o caso anterior, mas tenho a esperança de que eu alcance o meu destino.

Meu cliente irá casar na mesma expectativa. E, na minha opinião, é uma expectativa correta. De fato, o que eu acharia estranho era se ele cancelasse o casamento, porque o outro deu errado. Imagina só: Ele liga para a noiva e diz : “Olha, fulano e fulana, que estavam casados e iam ao nosso casamento, estão se separando. Por causa disso, eu não vou me casar. Perdi a fé nesta instituição. Adeus”. Seria surpreendentemente esquisito. Sem sentido. Muitos tentariam fazê-lo voltar atrás. Até o casal que ora se separa talvez fosse lá conversar com ele. Eles explicariam melhor seus motivos, diriam o que não deu certo com eles, abririam sua privacidade, talvez de uma forma que ninguém ainda tenha ouvido, e mostrariam como a situação dele é diversa da deles. Fariam de tudo. Ninguém aceitaria se ele desistisse.

Ele vai se casar. Ele não mudou de idéia. Ele acredita que o casamento dele não será destinado à separação. Em algum lugar dentro dele – conscientemente ou não – ele diz para si mesmo: “Não! Comigo isso não vai acontecer. Eu vou chegar à última milha”. Algo internamente lhe aponta que há alguma diferença. Ainda que ele mesmo possa não saber o que diferenciará o seu casamento do que está acabando.

Ou, talvez, eu esteja errado. Talvez ele não acredite que vai chegar à última milha. Há ainda outra opção. Talvez, simplesmente, ele não tenha essa fé. Mas ficar com sua noiva é tão bom que ele não se contém. Ele, independentemente de qualquer esperança, vai apostar. Vai jogar as cartas e torcer para que sua jogada dê certo. É uma tentativa. Sem embasamento nenhum, sem nenhuma fé. Apenas a necessidade de ficar junto dela, levando-o a um casamento que não sabe se vai até o fim ou não.

De qualquer forma, ele quer que o casamento dure. A não ser o caso de pessoas mal intencionadas, o que não é o caso dele, não há alguém que se case, pensando em se separar. Todos casamos para ser para sempre. Não é? Ele quer que dure para sempre. E ele quer que o casamento dele seja diferente do daquele outro casal.

Esse desejo, na verdade, está em todos nós. Todos que somos casados, ou que sonhamos que nos casaremos um dia naquela igreja linda toda decorada, queremos ver-nos indo até o fim. É uma esperança universal.

E o que me pergunto a esta altura, é sobre o que temos feito para aumentar nossas chances de vitória ? Ou será que deixamos o sucesso ou o fracasso de nosso casamento ao acaso desta mera esperança de sermos diferentes?

Veja que no dia-a-dia de nossas vidas, não nos deixamos levar pelo acaso. Você deixa sua vida ao acaso? Será? Voltando aos exemplos acima, se, ao invés de um, tivessem caído dez aviões e fossem todos da mesma companhia aérea, não seria o caso de, não custa nada, voar em outra companhia aérea? Se, avançando pela estrada lamacenta, você percebesse, na bifurcação, que o caminho da direta está repleto de carros parados, e, na esquerda, todos parecem ir sem problemas, que caminho seguiria? Se o estudo de seu filho pudesse ser acompanhado de um professor particular de qualidade, pelo mesmo preço de outro de fama duvidosa, qual você contrataria para ajudar seu filho a entrar na faculdade? Eu mudaria de companhia aérea, seguiria pelo caminho da esquerda, e contrataria o professor de qualidade. Eu acredito que comigo vai ser diferente e, a despeito disso, e, justamente para isso, tomo, se possível, todas as medidas que puder, a fim de aumentar a probabilidade de chegar ao resultado desejado.

Mas, na área do casamento, naquele que é um dos mais importantes de nossos relacionamentos, incrivelmente, muitos noivos e noivas, casados e casadas, ficam somente na esperança. Pense bem você mesmo, quando foi a última vez em que você tomou uma decisão, uma atitude, pensando: “Vou fazer isso, porque assim fortaleço meu casamento.” Ou, ainda, “Farei desta forma, para garantir que ele dure mais”. E, antes, desta última vez em que fez isso, quando foi a penúltima? E com que freqüência você tem pensado em coisas que pode fazer, ou deixar de fazer, para aumentar as possibilidades de seu casamento durar?

Meu cliente está para se casar, e não sei ao certo o que ele está fazendo para que seu casamento não tenha o mesmo fim do de nossos amigos em comum. Ele crê na diferença. De fato, são quatro pessoas diferentes e dois relacionamentos diferentes. Mas porque não aumentar as possibilidades de sucesso de forma maior do que ficar somente na torcida de que tudo dará certo?

Às vezes, olhamos o casamento e seu desenrolar como pessoas numa arquibancada do estádio. Já foi a um jogo de futebol? Pois vá ao Maracanã em dia de decisão. É uma senhora experiência de vida. Eu já fui. Com meu pai e minha esposa. Era Flamengo e Vasco. Um jogão.

Ali, na arquibancada, eu ficava reparando nas pessoas torcendo, gritando e xingando. Diziam para o jogador como deveria jogar. Para o juiz, como deveria apitar. Para o técnico, quem deveriam ser substituídos. Falavam sem parar. Em tudo palpitavam. Mas, de fato, quase nenhuma diferença faziam individualmente. Tirando casos isolados, você acredita que o juiz muda de opinião, porque alguém, lá na geral, xingou a mãe dele? Ou que o jogador espera uma sugestão sobre o lado do gol que deve chutar antes de bater o pênalti? Ou que o técnico ouve a torcida individualmente? De fato, é uma falar sem fim, e quase sem implicação prática. Eles não são os atores da cena. Não estão no campo. São 22 jogando, 4 apitando e 2 dirigindo. E só.

Muitos de nós, casais, muitas vezes nos colocamos assim. Ficamos na arquibancada, olhando o desenrolar das coisas. Gritamos. Xingamos. Comemoramos o gol. Reclamamos da injustiça. Palpitamos sobre o que deveria acontecer. E vamos acompanhando o placar, quando acompanhamos...

Há pessoas que, de repente, se dão conta do prejuízo, e, muitas vezes, já é tarde demais, o placar já está bem ruim. Porém, lembremo-nos que, neste jogo, nós somos os jogadores, o juiz e os técnicos. Ainda que muitas vezes tomemos atitudes típicas de quem está de fora do jogo, de fato e de verdade, estamos no meio de campo com a bola na mão. Está sempre na nossa escolha para que lado o casamento vai e como vai. Ele não tem como ir sozinho, a menos que eu deixe.

Eu posso deixar que meu casamento seja levado por diversas coisas. Pelo trabalho estafante, que não me permite ter tempo para conversar com o outro, pelos deveres como pai/mãe que não me deixam ser marido/esposa, pelo aperto financeiro que me deixa sempre muito tenso, por isso e por aquilo. Posso ficar na arquibancada ou posso estar em campo. Posso ver um gol contra ser marcado e o placar ficar desfavorável, ou posso driblar os problemas, correr em direção ao gol, passar a bola para meu cônjuge e comemorar com ele mais um ponto rumo ao campeonato de casamento feliz.

Precisamos, sempre, ter a bola na mão. Aumentar nossas probabilidades. Fazer o que pudermos para que nosso casamento chegue à ultima milha. Deixar a esperança de que somos diferentes ser o único motor deste time pode nos levar na direção que não queremos. Podemos ser os influenciadores do nosso sucesso no casamento. Ou sermos a torcida que vê o time perder o jogo, gritando e xingando, mas nada obtendo com esta atitude de forma prática e com resultados efetivos.

Sugiro ao meu cliente e a todos nós que façamos algo de concreto para converter esperança em possibilidades maiores.

Desculpe se falo de fim de casamento. Talvez você não goste deste tema. Talvez, se for de sua educação, você, agora, bata na madeira três vezes, ou ainda (se for desta linha teológica) esteja amarrando este texto e este escritor. Sai fora coisa ruim! Ou, talvez, faça tudo junto. Mas abordo este tema, porque ele existe. Os casais se separando são muitos e estão, às vezes, à nossa volta. Mais do que pensaríamos. O fim de casamentos é uma realidade em muitas famílias. O formulário de matrícula de um colégio que conheço pergunta ao futuro aluno: Nome do pai, endereço do pai, nome da mãe, endereço da mãe, nome da pessoa com quem reside, e endereço onde reside. Quando eu era pequeno, nos colégios, a pergunta era : Nome do pai, nome da mãe e endereço. Somente isso. Bem diferente, não é?

Posso ignorar meu estado de saúde. Posso nem ligar para minha condição médica. Posso nem sequer me pesar, para ver se estou dentro do peso considerado adequado. Mesmo assim, apesar de toda ignorância proposital, posso ter problemas de saúde. Ignorar não resolve nem evita. “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas” (Sun Tzu, em A arte da guerra). Num dos últimos casamentos que vi terminar em separação, a declaração da agora ex-esposa foi enfática: “Nosso casamento acabou, e nós nunca tivemos, em anos, uma única briga. E foi exatamente por isso que acabou.” Tivessem eles brigado – no sentido de discutir as questões, tomar decisões, marcar os gols certos – estariam juntos, agora. Hoje, vivem cada um para um lado com suas tristezas e solidões. A família separada, os filhos naquele vai e vem chato de fim de semana com um, outro com o outro.

Sugiro que façamos algo, para aumentar nossas possibilidades de sucesso.

Conheço alguns amigos que se tornaram médicos, e estão se formando. Pessoas que têm o dom de curar os outros. Pessoas que querem ajudar os outros a viver uma vida com mais qualidade. Pessoas que demonstram interesse em fazer o bem ao próximo. Com tudo isso sobre seus ombros desde o início do curso, somente agora podem realmente clinicar. A sociedade entendeu que é preciso mais do que vontade. É preciso conhecimento de fato. Um médico, para ser um médico, passa por mais de seis anos de estudo e prática que não são moleza. Não podem, por mais intencionados que sejam, clinicar, sem que alguma faculdade lhes dê o diploma. Um documento que diz que estão aptos. Para esta e outras profissões não há caminho fácil. Exige-se conhecimento. Boa vontade, desejo e uma corrida de olhos num manual qualquer não funciona. Precisa ler e estudar muito.

Mas para ser marido ou esposa quase não se exige nada. Parece que se acredita que esta é uma arte inata, um conhecimento adquirido, vem pelo DNA. Você quer se casar? Ama seu futuro marido? Então tá! Estão casados, diz o pastor, padre ou escrivão. Quase nada se exige. Acredita-se – os de fora e os noivos – que a capacidade para gerir um casamento está lá, em algum lugar dentro deles. Não precisa nem procurar um botão escrito “aperte aqui, se quiser casar”. Como num conto de fadas, o sonho se realizará por completo, e o príncipe e a princesa serão felizes para sempre, pois este é o destino deles.

Aliás, já reparou como nos contos de fada, a história sempre termina no casamento? Nós nunca acompanhamos sequer o primeiro dia de relacionamento e nova vida dos dois, agora que estão casados. Fica-se com a impressão de que, depois de todas as lutas que travaram para se casar, agora não há mais o que temer. O inimigo já foi vencido. Puro engano. Ainda há muitas batalhas a vencer. Para não ser injusto, há um desenho no qual vemos a continuidade do casamento do “príncipe” e a “princesa”, se é que podemos chamá-los assim. Em Shreck 2, o tema desenvolvido é justamente uma das dificuldades mais comuns de um novo casal: O relacionamento do cônjuge com os pais do outro cônjuge. Família não é fácil. É uma visão mais realista das coisas que acontecem pós dia do casamento. Se não viu o filme, aconselho a vê-lo. Se não viu o Shreck 1, veja-o primeiro.

Voltando à formação médica, sugiro que façamos sempre algo para aumentar nossas possibilidades de sucesso, exatamente como um médico faz para aumentar as de uma operação: Estudando. Digamos que você está com seu filho, precisando retirar o apêndice. Você o deixaria na mão de qualquer pessoa? Ou procuraria alguém com diploma médico? Se precisasse construir uma casa de 2 andares, deixaria a estrutura ser calculada por qualquer um ou teria de ser um engenheiro? Pense bem: sua família vai dormir sobre e debaixo daquelas pesadas vigas... Na justiça, qualquer um pode pleitear suas causa ou será melhor um advogado formado?

Assim, não deixe seu casamento na direção de duas pessoas sem formação – você e ele/a. Pode ser até que dê certo (muitos casamentos dão). Mas aumente suas probabilidades. Leia, estude e vá assistir àquela palestra que vai acontecer, justamente, num sábado à noite. Tempo investido e tempo que dá retorno. Não caia na mesmice dos outros que apenas têm esperança de que vai dar certo. Seja um jogador que atua e que o faz, conhecendo técnicas e jogadas. O casamento é um campo de futebol que não devemos jogar como numa pelada de beira de estrada. Deve ter técnica, conhecimento, habilidades desenvolvidas. Não fique na arquibancada vendo passar. Compre um livro. Estude. Pergunte a outros. Fale de seus problemas. Ouça os dos outros. Tempo investido e tempo que dá retorno.

Espero ter levado você a refletir. Torço pelos nossos casamentos. Que tudo dê certo. Mas que, além de esperanças, vivamos direcionamentos calculados.


Roberto Rocha

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Folhas ou raízes ?

Em minha cidade, Rio de Janeiro, o serviço de metrô possui um vagão especial para mulheres. Em horários específicos, nestes vagões, somente é admitida a entrada de mulheres. Os homens se apertam nos outros vagões. Tal separação foi criada por uma lei que regulamenta o horário de lotação. É assim no metrô e nos trens da cidade. Chamo tal vagão de vagão da oficialização da sociedade de sua falha estrutural. O nome é grande, mas eu explico.


A causa da existência desta lei é clara: Em momentos de pico de uso dos trens ou metrô (e nos ônibus também) uma série de homens se aproveitam da obrigatoriedade de estar perto, colados mesmo, de mulheres, devido à superlotação, para as bolinarem. Concordo: É um incômodo. Não sofro tal ataque à minha privacidade, mas consigo, apenas por ver isso ocorrendo, me solidarizar com as mulheres na luta para que tal não aconteça.

A falha estrutural reside no fato de que estes homens estão se aproveitando de uma situação de lotação limite para dar vazão às suas necessidades sexuais, sem se preocupar com o consentimento da outra parte e tal postura demarca uma falha de educação. No caso, principalmente educação sexual. E note que impedir o ataque, pela restrição do acesso aos corpos das mulheres, não muda sua vontade de realizar seus mais profundos desejos de prazer. O desejo continua.

Certa vez conversando com pais sobre a educação de seus filhos lhes expliquei um pouco sobre o ato de retirar do alcance versus o de educar de fato. Para que seu filho não pegasse biscoitos fora do horário combinado, os pais estavam colocando o pote com os biscoitos em local alto, de forma que a criança não conseguia pega-los ali. No meu entender, isso resolve o problema, mas não implica em respeito do filho pelos pais. Será que eu posso dizer que este filho respeita a ordem dada pelos pais de não comer fora de hora, ou ele apenas não desobedece porque não tem como fazê-lo ?

Digo que educar um filho a não cometer um erro não é retirar-lhe o acesso à fonte do problema, mas estando ao alcance, vê-lo, por livre escolha, optando por obedecer seus pais. Se você quer saber se seu filho lhe obedece de fato, não use de outros artifícios para limitá-lo além da conversa franca.

Como trabalho com computadores, frequentemente pais me procuram para saber como limitar o que os filhos fazem no micro e também o tempo que eles estão conectados na internet. Sempre lhes digo que há excelentes programas que podem cuidar destas questões. Programas que limitam o tempo de uso, os lugares que as crianças podem ir e o que podem fazer. Que dão um relatório detalhado permitindo aos pais um super controle do que acontece. Mas sempre termino minha fala dizendo que sempre haverá outro computador, o do amigo – longe dos pais – no qual ele conseguirá fazer o que no seu micro não pode. Que a confiança e o diálogo são os melhores e mais eficazes meios de controle e educação. Que cercas – sejam virtuais ou reais – são sempre passíveis de rompimentos.

E nossa sociedade, com os trens do metrô, faz o mesmo. Limita o acesso ao erro, sem tratar nada além desta atitude óbvia de repressão. A sexualidade deturpada é um problema social. A educação sexual atual, numa mistura de erótico à disposição – nas bancas de jornal, na televisão e internet – contrastando com proibido e pouco comentado diálogo sobre o tema tem produzido multidões de mal formados e informados. Retirar os homens do vagão não resolve o problema, apenas adia. Em algum outro lugar e noutra situação a deturpação irá se manifestar.

Melhor seria discutir porque temos produzido esta deturpação de homens buscando prazer sexual egoisticamente. Será mesmo que é algo natural do homem e que as mulheres tem mesmo é que agüentar isso ? Não acredito assim.

Somos fruto de nossa sociedade e dos padrões a nós impostos. Neste assunto em particular, o sexo, somos fruto de um longo processo de educação sexual repressiva, vindo de longas datas, influenciado principalmente pela igreja que, ao invés de discutir o tema abertamente, preferia colocar-lhe sobre tabus e mitos diversos. Herdamos esta sociedade e convivemos nela. Mas pergunto: Será que não está claro que algo precisa ser mudado ? Alguém tem acompanhado o número alarmante de estupros ? De agressões ? Não será a simples existência da lei Maria da Penha outro sinal de que algo está muito errado ?

Porém as leis estão aí, soltas, sem o acompanhamento de outras posturas para provar o que ora digo. Ao invés de discutir a origem do problema e buscar uma solução estrutural, convivemos com tesouras que tentam erradicar o problema pelas folhas, não pelas raízes com machados e foices. Sei que há momentos em que o urgente se impõe, e precisamos fazer leis que limitem tais desatinos, mas muitas vezes paramos por aí. Tratamos a consequência e não a causa.

O vagão do metrô é mais uma de outras tantas opções mal direcionadas desta sociedade. Se você puder, eduque alguém a ser boa pessoa independente de barreiras.

Feliz aquele que pode tudo e escolhe o melhor. Infeliz daquele que vive esperando a brecha na cerca para fazer o errado.